Aos 74 anos, Bill Morgan, o dono de uma das principais boutiques de roupas de couro de São Francisco na década de 60, se refugia nas montanhas mineiras e agora quer voltar a criar as peças clássicas que vestiram os principais artistas hippies americanos
Uma pequena casa de três cômodos, com uma varandinha simples e um quintal tomado pelo capim que serve de pasto para um cavalo guarda uma parte curiosa da história da revolução cultural que varreu os Estados Unidos no final da década de 60 e transformou a música e os costumes do ocidente. É ali, às margens da BR-354, a rodovia que liga acidade mineira de Itamonte à estradinha que leva ao Parque Nacional de Itatiaia, na divisa dos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, que o homem responsável por desenhar e fabricar as roupas de couro que foram a marca registrada de artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin ou Elvis Presley tem passado seus dias nos últimos meses. Na companhia de quatro pequenas mesas de madeira, um beliche, um fogão a gás de quatro bocas e uma geladeira velha, Bill Morgan, um americano de 74 anos que se auto intitula o “estilista das estrelas”, está tentando fazer renascer o negócio que o colocou no epicentro da contracultura americana nos anos 60 e 70.
Morgan foi dono da North Beach Leathers, uma
boutique especializada em roupas de couro em São Francisco, que se
transformou em uma espécie de meca para os músicos que começaram a
despontar na cena musical hippie do que ficou conhecido como o Verão do Amor, na Costa Oeste dos Estados Unidos, em 1967. É dele parte das
jaquetas de couro que Jimi Hendrix usou em sua curta carreira, ou os
apetrechos que marcaram as apresentações de Janis Joplin. Grupos e
cantores como Crosby, Stills e Nash, Credence Clearwater, Tina e Ike
Turner, Jim Morrison e tantos outros que estouraram no final dos anos 60
devem parte de sua identidade estética às peças de couro criadas por
Morgan.
Bill Morgan veio ao Brasil pela primeira vez em 1964, para disputar a corrida de São Silvestre, em São Paulo. “Naquela época era uma prova muito importante, tão importante quanto as Olimpíadas” diz ele. Mas foi em 1965, já com a equipe nacional dos Estados Unidos, que o Brasil entrou de vez em sua vida. “Naquele ano fiquei em quinto lugar e fui tratado como um rei aqui. Então fui ao Rio e simplesmente me apaixonei pelo lugar”, conta. Copacabana fez Bill desistir dos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México. “Fiquei só um ano no Brasil, no final de 1966 eu já estava de volta a São Francisco, que estava se transformando na capital da contracultura. Mas foi com peças de couro que comprei em Novo Hamburgo (RS) que iniciei o negócio da minha vida, a North Beach Leathers”, conta ele.
A Guerra no Iraque e a reeleição de George W. Bush foram o incentivo que Bill Morgan precisava para voltar ao seu Shangri-la pessoal. Voltou para a Copacabana de sua juventude, disposto a reiniciar a aventura que interrompera quase 40 anos antes. Mas tanto Bill quanto a praia mais famosa do Brasil haviam mudado. E o americano, tão acostumado ao glamour, à loucura e toda a intensidade do show bussiness, decidiu refugiar-se em uma pequena casa na cidade de Fama, às margens do lago que abastece a usina hidrelétrica de Furnas.
“As pessoas não entendem, mas gosto de ficar sozinho, posso ficar semanas sem falar com ninguém”, conta ele, que, até hoje, não aprendeu a falar português. Morgan se transformou em uma espécie de ermitão.
Até que, quase por acaso, encontrou um antigo
amigo das noites de São Franciso, Forest Sprague, um ex-produtor musical
americano que, como Bill, elegeu as montanhas de Minas Gerais como lar.
“Eu fui a Alfenas fazer uns exames e me contaram que tinha um outro
americano morando em Fama, onde eu também tenho uma casa. Quando
chegamos lá descobrimos que o tal americano era o Bill”, diz Sprague.
Forest, que tem uma pousada em Itamonte em sociedade com a mulher, Márcia Bichara, custou a acreditar que Bill Morgan, o homem responsável por costurar as jaquetas de Elvis Presley ou os coletes de Jimi Hendrix estava escondido ali. “Minha mulher convidou Bill a passar o carnaval conosco e ele nos trouxe sua autobiografia”, conta Forest. “Foi ai que percebemos que Bill precisava voltar a produzir aquelas peças históricas, que ajudaram a compor a identidade de toda uma geração”.
Assim, meio que por acaso, no Carnaval deste ano, que Bill Morgan decidiu que era hora de voltar aos negócios em Itamonte, uma cidadezinha de menos de 15 mil habitantes, nos pés da cadeia de montanhas que abriga o Pico das Agulhas Negras. Ele e Forest alugaram a pequena casinha na beira da rodovia e montaram um misto de loja, ateliê e bar. Tudo muito informal, tudo quase amador. Pomposo ficou apenas o nome escolhido pelos dois: Crazy Horse Saloon
É ali que Bill trabalha. Não há hora certa para o Crazy Horse abrir. Sem funcionários, sem quase nenhuma estrutura, o local funciona quando Bill Morgan está disposto. Por vezes, fica semanas fechado. “Mas quase toda a sexta-feira organizamos jam sessions com os músicos daqui, é uma vibração incrível”, diz ele, que garante sentir o mesmo espírito de liberdade em Itamonte que tinha na California de 1967. “E Olha, vou dizer, os músicos daqui não deixam nada a desejar aos músicos de São Francisco”, diz, em um tom quase solene.
A North Beach Leathers estourou junto com as grandes estrelas da música de São Francisco, como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jefferson Airplane e Carlos Santana, os principais expoentes locais. Foi após uma namorada criar um colete com o couro que havia trazido de Novo Hamburgo que Bill Morgan percebeu que havia um negócio ali. “Começamos a produzir para os amigos, mas rapidamente a demanda começou a crescer, principalmente pelos músicos, que queriam roupas mais extravagantes”, relembra. Naquela época, couro era usado apenas por cowboys e motociclistas. “Mas tivemos uma grande sorte de conseguir alugar uma loja ao lado do Cafe Trieste, um local tradicional da contracultura desde a época dos beatniks. Rapidamente estávamos vestindo todo mundo”.
Todo mundo mesmo. As roupas da North Beach passaram a subir nos palcos de todo o país vestindo gente como Mick Jagger, Creedence Clearwater Revival, Cher, Miles Davis e uma infinidade de atores, lutadores e toda sorte de personalidades daqueles anos intensos. “A loja era repleta de peças que você não via em lugar nenhum, como um simples casaco feito de couro”, relembra George Benson, em uma entrevista recente ao The New York Times sobre a loja de Morgan. “Você entrava e sentia aromas incríveis, sabia que estava lidando com couro de verdade”, disse ele.
Bill Morgan conviveu intensamente com muitos desses artistas. “Não era como hoje, que todo mundo quer agarrar o músico. Éramos quase uma família, todo mundo era amigo”, relembra. De todos os artistas de São Francisco, Bill diz ter sido mais próximo de Janis Joplin e Santana, com quem mantém contato até hoje. “Janis era uma irmã. Uma mulher louca, mas com um coração muito grande. Pouco antes de ela morrer nós percebemos que ela estava no fim, estava muito fundo na heroína”.
Agora aos 74 anos, vivendo de forma isolada no
interior de Minas Gerais, Bill está a procura de um sócio para voltar a
colocar a North Beach Leathers no mercado. “Preciso de alguém que já
esteja estabelecido, com contatos no varejo”, diz ele. “Nossa ideia,
além de recriar peças clássicas, que fizeram sucesso no corpo de tantos
artistas, é também produzir coisas novas, sempre em couro”.
Apesar de não ter encontrado ainda alguém disposto a
investir em sua nova empreitada, ele parece andar feliz em Itamonte.
Principalmente depois que as trutas que ele e Forest soltaram no riacho
que corta a Estância Rio Acima, a pousada do amigo, estão procriando. “É
uma beleza, elas estão crescendo e em breve vamos colocá-las em outras
partes do rio e ai poderemos voltar a pescar”, conta ele, ainda um
aficionado pelas trutas. “Esse lugar é especial, tem uma energia
especial, por isso queremos refazer o que fizemos lá nos Estados Unidos
aqui”. Para celebrar o início da nova fase, Bill adotou um dos cachorros
que vivem na pousada e ficou responsável por batizá-lo. No melhor
estilo paz e amor, o cão ganhou o nome de happy
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